Segundo Florestan Fernandes, Luiz Carlos Prestes foi "o único herói brasileiro que não forjou o pedestal de sua glória." (Texto "O Herói Sem Mito", publicado no encarte da revista Trilha Socialista - 1990)
"Luiz Carlos Prestes entrou vivo no Panteon da História" (Romain Roland, 1936, Prêmio Nobel de Literatura)
O presente texto é uma adaptação e reprodução de trechos de alguns livros da historiadora Anita Prestes (ver referência bibliográfica) e do texto "Luiz Carlos Prestes, uma história a ser contada: por ocasião dos 24 anos de sua morte"
Luiz Carlos Prestes nasceu em 03/01/1898, em Porto Alegre (RS), e faleceu em 07/03/1990, no Rio de Janeiro, aos 92 anos de idade. Indiscutivelmente, sua figura teve grande relevância na história do Brasil do século XX. Sua participação na vida política nacional abrangeu um período de setenta anos, o qual coincide com o "breve século XX" definido e analisado pelo historiador Eric Hobsbawm.
Nos anos 1920, liderou a Coluna que adotou seu nome. No ano de 1930, rompeu com seus antigos companheiros, os "tenentes", repelindo a perspectiva de tornar-se uma liderança a serviço dos interesses das elites oligárquicas e/ou burguesas e optando pelo compromisso com os "de baixo", os explorados e os oprimidos, os trabalhadores. Nesse momento, adotou o marxismo como teoria norteadora de sua vida e o comunismo como objetivo ao qual se consagraria até o final de seus dias. Foi um momento em que o Prestes saltou sobre a trincheira da luta de classes, abandonou qualquer possibilidade de ser uma liderança a serviço da classe dominante, e se colocou ao lado dos trabalhadores, dos explorados.
Graças ao prestígio e ao carisma de sua liderança, Prestes deu uma contribuição decisiva para o avanço da Aliança Nacional Libertadora (ANL). Tornou-se a liderança mais destacada do movimento antifascista no Brasil na década de 1930. Com o fracasso dos levantes de novembro de 1935, iniciou-se um período de repressão intensa. Prestes foi preso em 5 de março de 1936, juntamente com sua companheira , a comunista alemã Olga Benario Prestes. Diante dos tribunais de exceção, Prestes adotou uma posição de firmeza inabalável e assumiu toda a responsabilidade pelo movimento que liderara, sendo condenado a mais de 47 anos de prisão. Sua companheira, Olga, foi deportada para a Alemanha nazista no sétimo mês de gravidez. Após dar à luz, numa prisão em Berlim, a sua filha Anita Leocadia, Olga foi assassinada numa câmara de gás no campo de concentração de Bernburg, em abril de 1942. Prestes permaneceria preso durante 9 anos, a maior parte do tempo no mais absoluto isolamento.
A partir dos anos de 1940, se transformou no líder comunista mais importante do país e durante quase quatro décadas foi o dirigente máximo do Partido Comunista. Direta ou indiretamente, esteve envolvido com os grandes acontecimentos políticos no Brasil até o seu falecimento em março de 1990.
Com sua longa trajetória de luta, que envolveu acertos e erros, Luiz Carlos Prestes foi sempre coerente consigo mesmo e com os ideais a que dedicou sua vida, sem jamais se dobrar diante de interesses menores ou de caráter pessoal. Por isso, despertou o ódio dos donos do poder, que se esforçariam por criar uma História Oficial deturpadora tanto de sua trajetória política quanto da história brasileira contemporânea. Assim foram forjados e intensamente difundidos alguns estereótipos mais conhecidos a respeito de Prestes.
Sua participação nos levantes antifascistas de novembro de 1935 é apresentada como causa de uma suposta “Intentona Comunista”, designação pejorativa, que sempre visou desvirtuar o caráter patriótico desse movimento, atribuindo-lhe o propósito de estabelecer o comunismo no Brasil, sob a égide de Moscou.
Seu apoio a Vargas, no momento em que o ditador, sob a pressão dos acontecimentos internacionais e do movimento de opinião pública no Brasil, adotava uma política de ruptura com as potências do Eixo e se aliava às forças antinazistas no cenário da guerra mundial, enviando nossos “pracinhas” para lutarem na Itália, é maldosamente interpretado como uma suposta aliança, que jamais existiu, com o principal responsável pelo assassinato de sua com panheira.
Em 1945, sua luta à frente do PCB pela eleição de uma Assembleia Constituinte livre e democrática é intencionalmente distorcida, para ser confundida com a campanha, levada adiante pelos getulistas, de “Constituinte com Getúlio”. Na realidade, os comunistas jamais levantaram tal bandeira. Consideravam que, naquele momento político, a tarefa mais importante de todas as forças efetivamente democráticas deveria ser garantir a eleição da Constituinte, evitando o golpe militar que estava sendo preparado pela direita, com o apoio da embaixada norte-americana. Golpe que afinal teve lugar a 29/10/1945.
Quando senador da República, também seria deturpada declaração feita por Prestes em resposta a pergunta formulada durante sabatina pública, de que, no caso de uma guerra contra a União Soviética, os comunistas se levantariam contra o governo que adotasse tal medida, pois essa guerra só poderia ter um caráter imperialista e agressor, uma vez que a União Soviética não ameaçava nenhum país do mundo, e o povo brasileiro não deveria prestar-se ao papel de bucha de canhão para os objetivos imperialistas. Prestes passava a ser acusado de pretender empunhar armas contra a própria pátria a serviço dos interesses de Moscou. Tal provocação anticomunista foi, na época, desmascarada pelo próprio Prestes, mas a versão fabricada por seus inimigos permaneceria com foros de verdade até hoje.´
Outros exemplos poderiam ser citados, todos reveladores da preocupação das classes dominantes do país de desvirtuar a personalidade de Luiz Carlos Prestes para combatê-la com maior eficácia. Mesmo após seu falecimento, Prestes continua a incomodar os donos do poder, o que se verifica pelo fato de sua vida e suas atitudes não deixarem de serem atacadas e/ou deturpadas, com insistência aparentemente surpreendente, uma vez que se trata de uma liderança do passado, que não mais está disputando qualquer espaço político. Num país, em que praticamente inexiste uma memória histórica, em que os donos do poder sempre tiveram força suficiente para impedir que essa memória histórica fosse cultivada, presenciamos um esforço sutil, mas constante, desenvolvido através de modernos e possantes meios de comunicação, de dificultar às novas gerações o conhecimento da vida e da luta de homens como Luiz Carlos Prestes, cujo passa do pode servir de exemplo para os jovens de hoje.
Queiram ou não os seus adversários e críticos de plantão, Luiz Carlos Prestes nos deixa um legado político, entendido como um conjunto de valores e princípios de modo a formar uma cultura política. Dos pilares dessa cultura política, o historiador Lincoln de Abreu Penna enumera três, ao participar do Seminário "Prestes - 20 anos sem o Cavaleiro da Esperança", realizado pela UFRJ, em setembro de 2010: o repúdio às injustiças sociais e a luta para superá-las; o primado do altruísmo, da solidariedade, sobre o individualismo; a vontade política voltada às transformações como motivação das ações na vida pública. Sobre eles, Lincoln traça os seguintes comentários:
O primeiro pilar esteve presente no engajamento de Prestes quando ainda jovem oficial do exército. Revoltou-se e liderou ao longo da década de vinte o movimento tenentista;O segundo acompanhou toda a sua trajetória de vida. O altruísmo e a solidariedade aos companheiros e aos segmentos sociais ligados ao mundo do trabalho sempre deixaram em segundo plano eventuais desejos individuais;E no que se refere ao terceiro pilar, a postura revolucionária o levou a trilhar uma das mais destacadas vidas no campo das lutas em defesa do ideário socialista;É por essa razão que a esperança foi intensamente representada pela figura do seu Cavaleiro, a percorrer o Brasil de Norte a Sul, de Leste à Oeste, levando a bandeira da libertação.
O historiador Lincoln Penna, conclui afirmando que de Prestes devemos guardar alguns princípios e ensinamentos:
O princípio da coerência ideológica;O ensinamento de que o compromisso com a causa da revolução supera os eventuais interesses individuais;O princípio e o ensinamento do dever cívico, que passa pela defesa da soberania nacional e do internacionalismo;A integridade moral diante das adversidades;A capacidade de contrariar maiorias, tendências dominantes, em nome da determinação da luta.
Nesse sentido deve ser entendida a seguinte afirmação: "Da mesma maneira que Fidel Castro e os revolucionários cubanos ao lutarem pela emancipação do seu povo se apoiaram na herança de José Martí, a revolução brasileira não poderá avançar sem resgatar o legado de Luiz Carlos Prestes"
Conhecer a vida de Luiz Carlos Prestes é, nas palavras de Fernando Morais, uma "viagem pelo Brasil do século XX, do movimento tenentista à redemocratização pós-ditadura militar".
Para quem quer contribuir para a construção de uma outra História, que possa contribuir para que sejam postas na ordem do dia as condições para transformações profundas da sociedade no sentido de um mundo mais justo e igualitário, é fundamental resgatar a memória daqueles sujeitos históricos, individuais ou coletivos, que, mesmo não conseguindo alcançar a vitória, deixaram um legado importante para as gerações subsequentes no que consiste na luta por um mundo melhor, em que a exploração do homem pelo homem tenha sido abolida para sempre e, consequentemente, as injustiças sociais, a fome, a miséria, o desemprego e o desamparo de milhões de pessoas tenham desaparecido.
Nesse sentido, uma obra indispensável, que não é apenas um livro sobre Prestes ou sobre o Partidão, mas também sobre o Brasil, é a biografia "Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro" (Boitempo, 2015), de autoria da historiadora Anita Leocadia Prestes. Considerando que devemos primar pela honestidade intelectual, o livro escrito pela filha de Prestes está muito distante de ser classificada como "uma hagiografia", como sugerem alguns críticos. Ao longo da leitura do livro, fica evidente tratar-se de um trabalho de história política, fundamentado em uma extensa, minuciosa e detalhada documentação. Portanto, uma biografia política, que faz aflorar o pensamento e a prática política de Luiz Carlos Prestes. "A escrita de uma biografia desse viés, centrada na abordagem preferencial dos principais momentos da atuação política do personagem retratado, não deve, contudo, desprezar suas características individuais, na medida em que elas podem contribuir para explicar as atitudes adotadas por esse personagem nas distintas faces de sua vida" (Prestes, A. L. Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro, p. 16). E mais, "ao mesmo tempo, a biografia deve retratar a época em que viveu e atuou o personagem estudado, procurando explicar seu interagir com o contexto histórico", entendendo que "o homem é fruto do meio social, mas também age permanentemente sobre ele, transformando-o" (idem).
* Marcos Cesar de Oliveira Pinheiro é professor adjunto de História da Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ - campus Duque de Caxias, Faculdade de Educação da Baixada Fluminense), professor de história da rede municipal de educação pública de Rio das Ostras (RJ) e membro do Instituto Luiz Carlos Prestes.
Referência bibliográfica
Prestes, Anita Leocadia. Luiz Carlos Prestes: patriota, revolucionário, comunista. São Paulo: Expressão Popular, 2006.
____ . Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional Libertadora: os caminhos da luta antifascista no Brasil (1934/35). São Paulo : Brasiliense, 2008.
____ . Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro. São Paulo: Boitempo, 2015.
Fonte: Prestes a Ressurgir |