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Home Sobre Prestes O Herói Sem Mito


"Luiz Carlos Prestes entrou vivo
no Panteon da História.  
Os séculos cantarão a 'canção de gesta'
dos mil e quinhentos homens da
Coluna Prestes e sua marcha de quase
três anos através do Brasil.
Um Carlos Prestes nos é sagrado.
Ele pertence a toda a humanidade.
Quem o atinge, atinge-a."

(Romain Roland, 1936)


O Herói Sem Mito
Escrito por Por Florestan Fernandes   

(Texto publicado no encarte da revista Trilha Socialista - 1990)*

Faleceu o único herói brasileiro que não forjou o pedestal de sua gloria. Homem simples e franco no trato cotidiano, era um líder político (e militar) nato. Depois da célebre marcha, na qual sobrepujou em argúcia e espirito inventivo as Forças Armadas oficiais, poderia ter se tomado um dos "grandes da República", Getúlio Vargas tentou seduzi-lo, mas encontrou o repúdio a qualquer composição política pessoal. O rebelde não se despia de suas convicções antioligárquicas e democráticas, buscando servir a nação - e a sua independência — e submeter-se a uma vida de sacrifícios exemplares que o enobrecem como figura humana e como agente histórico.
Nem sempre estive ao seu lado e demorei para entender os desafios que ele enfrentava com desprendimento e grandeza. Foi a década de 1970 e principalmente a luta contra a ditadura militar que escancararam para todos os olhos o significado político de sua dedicação ao movimento operário e sindical. O prestismo deixara, então, de ser o dínamo de seu partido e uma realidade histórica. Privado de tudo, de sua condição de dirigente e confrontado por antagonismos antes imprevisíveis, ele apareceu na cena política na plenitude do seu ser real. Ao contrario de outros "comunistas" que renegaram e traíram seus compromissos e valores, ele procurou atualizar sua compreensão objetiva do Brasil, seu conhecimento do marxismo e sua atuação independente dentro do movimento operário e sindical. Algo surpreendente para uma pessoa de sua idade, alem do mais tida como "dogmática" e "autoritária".
Nesse momento, enquanto a esquerda se fragmentava e se delinearam novas opções partidárias socialistas, Luiz Carlos Prestes cresceu como homem e como personalidade política. Velhos militantes fieis somavam-se a jovens ardentes, que ouviam sua pregação moral. É neste terreno que trava a batalha final, até a morte. Ética e política não se dissociam. Uma constitui o avesso da outra. A luta de classes é uma realidade política. Contudo não seria nada se não fosse, acima de tudo, uma exigência moral. Nesse nível — do qual parte, aliás, o "jovem Marx" — Prestes empenha-se em sua "última etapa", impulsionado pelo dever incoercível de chegar a explicações e ações fundadas nas raízes dos processos sociais, econômicos e políticos. Corria o Brasil de um lado a outro, levando a toda parte o ardor de suas convicções.
O rebelde do começo não ressurge no radical da etapa derradeira. Surge um Prestes arquétipo, que infunde vitalidade à esperança dos trabalhadores livres e semilivres ou dos jovens e estudantes, todos desesperados e desorientados, que não viam esperança individual ou coletiva para si e para o Brasil. A revolução socialista formulada como a "única via" da liberdade, de igualdade e da democracia da maioria é posta no eixo da auto-emancipação das classes trabalhadoras e das massas populares excluídas. Esse discurso ultrarradical encontrou ressonância mesmo entre seus detratores e inimigos. E originou uma solida confiança nos de baixo em sua capacidade de ação — de criar uma sociedade nova, digna de inspirar os brasileiros a tomar em suas mãos a democratização do país e do Estado. Essa esperança transcendeu o seu percurso solitário, foi além das fronteiras dos militantes e simpatizantes de seu ideário político e representa a principal herança por ele deixada ao movimento operário, sindical e partidário de orientação firmemente socialista.
*O presente encarte da revista TRILHA SOCIALISTA é uma homenagem àquele que, no cumprimento de sua vida, sintetizou aquilo que de mais puro e avançado existe na "alma brasileira". Além da firmeza ideológica, da extrema dignidade humana, do estoicismo verdadeiramente revolucionário, Luiz Carlos Prestes soube exercitar uma clareza política capaz de deslindar, pelo menos, os rumos centrais da luta do povo brasileiro pela democracia, pelo socialismo.
No dia 7 de março de 1990 — como salientou um de seus Camaradas — Prestes adormeceu. Seu sonho, tecido durante toda a sua vida de revolucionário e herói do povo, continua pulsando inapelavelmente na crueza da luta de classes, na alegria sofrida de seu povo e na convicção inabalável de seus Camaradas que hoje, grávidos de sua memória e de seu exemplo, continuam no exercido de seu sonho até que a humanidade construa o "reino da liberdade".

 

Última atualização em Sáb, 17 de Maio de 2014 21:49